A Câmara dos Vereadores do Rio trabalha em um Projeto de Lei de autoria do Executivo que busca taxar e multar os donos de imóveis que estão vazios há muito tempo na cidade. A penalidade pelo não cumprimento das obrigações nos prazos estabelecidos serão definidas com base no Valor Unitário Padrão (VUP) e na Área Total Edificável (ATE) de cada imóvel.
Há alguns casos que se tornaram icônicos na cidade. Os prédios da Rua Gonçalves Dias 71-A, 71-B e 71-C simbolizam o que a prefeitura tenta combater. Imóveis cuja bela fachada está sempre bem cuidada, contam com três pavimentos, elevador, e foram totalmente reformados há cerca de 15 anos. Desde estão, seguem vazios, disponíveis para locação. Mas épocas mais valorizadas do Centro, corretores comentam que colocaram propostas milionárias para locar os três imóveis; a varejista Renner, hoje instalada na Sete de Setembro, chegou a propor mais de 300 mil de aluguel. Nada disso teria seduzido os proprietários. Chegaram a ser os únicos prédios vazios em toda a rua Gonçalves Dias. Hoje, em tempos de crise, os bonitos trigêmeos já têm companhia em sua eterna vacância: mas seu caso é mesmo diferente dos demais. Na Rua do Rosário 5, Zona de efervescência cultural, bares e restaurantes e no coração do projeto Reviver Cultural, o abandono da antiga sede da Interunion Capitalização – hoje uma massa em liquidação – é outro simbólico. O imóvel, tombado pelo Iphan e em estado bem razoável – já foi todo restaurado nos anos 80, tem seu interior em laje, elevador, etc – ocupa a face de todo um quarteirão de casas. Também está fechado há décadas dentro do imbróglio jurídico da empresa que foi dona do Papa Tudo, concorrente da TeleSena que foi pro beleléu. Teoricamente, o projeto se destina a combater casos como estes.
Após a notificação, será concedido um prazo de um ano para que os proprietários regularizem sua situação, protocolando pedidos de licença de parcelamento do solo, construção, ou reformas. A municipalidade parece partir do princípio de que sempre que um imóvel está desocupado há muito tempo, a culpa disso seria da especulação imobiliária. Mas há divergências sobre os fatores que fazem com que um ou mais imóveis numa mesma região estejam vazios há muito tempo.
No projeto de lei, caso as condições e prazos ali colocados não sejam atendidos, o chamado IPTU Progressivo no Tempo será aplicado ao imóvel, aumentando a alíquota do imposto anualmente até atingir um limite de mais 15% em cinco anos. Esta providência é uma revista na lei federal que criou o Estatuto das Cidades. Após esse período e sem solução, o município poderá desapropriar o imóvel com compensação, pagando com títulos da dívida pública.
Além disso, a iniciativa quer garantir o cumprimento da função social de imóveis abandonados na cidade. A medida tem o objetivo de incentivar a utilização adequada das propriedades subutilizadas e combater a ociosidade em áreas estratégicas da cidade, como os muitos prédios abandonados na região central.
O projeto de lei se baseia no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01) e no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável do Município do Rio de Janeiro (Lei Complementar 270/24).
A principal justificativa da proposta é a existência de grande número de imóveis ociosos que foram invadidos, especialmente nas áreas com boa infraestrutura. Um levantamento da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado em junho deste ano pelo DIÁRIO DO RIO, revelou que 2,4 mil famílias viveriam em edificações abandonadas no Centro do Rio.
De acordo com o levantamento, haveria 69 imóveis que estão abandonados e foram ocupados, isso apenas na área central da cidade. Desse total, 50 imóveis (72,5% deles) são privados e 19 são públicos (27,5%). A maioria (34 imóveis) é formada por prédios verticalizados. Mas também há ocupações em antigos casarões (18), conjuntos de casas (11), terrenos ocupados (cinco) e instalações fabris ou galpões (um).
As diretrizes municipais classificam os imóveis abandonados da seguinte forma:
A exceção fica por conta dos imóveis com menos de 250 m², desde que o possuidor não tenha outro imóvel. Também estão excluídos os imóveis com atividade econômica, ou que estejam em áreas de desapropriação, em áreas de preservação ambiental, em áreas frágeis, contaminados ou com impedimento judicial.
O último Censo, de 2022, mostrou que o Rio de Janeiro tem 388 mil domicílios particulares não ocupados, o que representa 13,32% do total de domicílios na cidade. Só no Centro do Rio, segundo a Subprefeitura da região, são 158 imóveis vazios e que ao mesmo tempo estariam em péssimo estado de conservação.
Um levantamento da Sergio Castro Imóveis, de março deste ano, apontou as ruas da região central da capital fluminense onde existiriam mais prédios vazios e negligenciados.
- Rua da Constituição;
- Rua Visconde do Rio Branco e Rua Mem de Sá;
- Rua Sete de Setembro depois da Ramalho Ortigão;
- Ruas Conselheiro Saraiva e Candelária;
- Praça Tiradentes e Rua dos Inválidos;
- Rua da Conceição depois do Saara; Rua Leandro Martins.
“É preciso cautela. A ideia de punir donos de imóveis eternamente vazios parece ótima. Mas há que se lembrar que se um imóvel está vazio, não necessariamente é por culpa do dono. Se há outros vários desocupados na mesma rua, por exemplo, é óbvio que o problema é da região”, explica Cláudio André de Castro, diretor da administradora de imóveis, que completa: “Há um caso emblemático do prédio em ótimo estado na Rua Gonçalves Dias, fechado há mais de 20 anos. O mercado já esteve bom, já esteve ruim, já esteve péssimo. Mas o dono sempre o mantém vazio. Este seria um caso claro de imóvel na contramão do mercado”, explica, lembrando porém que provavelmente tratam-se de imóveis isentos de IPTU pois apesar de históricos, estão muito bem cuidados: “esta questão é complexa. Não dá pra tratar sem entender as nuances. Um imóvel pode atrapalhar a cidade sem estar caindo aos pedaços. Uma grande frente, fechada por anos a fio, atrapalha a vida comercial de uma rua”.
E cita outros exemplos mais óbvios, como os prédios abandonados – pertencentes a empresas privadas – que desabaram na Travessa do Comércio 13 e 19, um deles onde morou Carmen Miranda. A região está em franca valorização, e hoje estes destroços atrapalham o fluxo de pessoas. A Prefeitura prometeu arrecadar estes imóveis, escorá-los e devolvê-los ao povo do Rio de Janeiro. Até o momento foram apenas feitas as escoras.
Contudo, Castro cita que a maior parte são casos bem mais complicados como por exemplo das ruas Teófilo Otoni, Visconde de Inhaúma, e da Constituição, no Centro, que dependeriam de uma melhora na atratividade econômica da cidade, sem contar melhorias na segurança e na zeladoria. Para ele, quem tem imóveis em zonas e logradouros que têm problemas de vacância generalizada não podem ser punido.
“E tem outras várias ruas em que os donos não tem culpa de nada – ou a crise econômica, ou as obras do VLT, ou ambos, ou a decadência do Rio e as invasões, ou o advento do felizmente decadente home office: são motivos que ocasionam a vacância e que os donos dos imóveis nem oferecendo de graça conseguem alugar”, explica.
Para ele, os vereadores têm que andar na rua pra se aperceber da real situação: um passeio de 5 minutos na rua Leandro Martins, no Centro, ou no Beco do Bragança, mostra claramente que é preciso mais investimento do Poder Público na zeladoria, na concessão de incentivos, descontos de IPTU e também no impulsionamento da atratividade comercial do Rio.
“Tem imóvel que nem pagando a gente consegue alugar, e nestes casos não seria justo a aplicação de multas”, lamenta, citando ruas que foram totalmente esquecidas pelo Poder Público, como a Ladeira Madre de Deus, a Conselheiro Saraiva – paraíso do estacionamento ilegal – ou a Barão de São Félix – uma espécie de Nova Délhi no Rio de Janeiro.
O empresário bate também no combate à criminalidade. E dá exemplos como a região de Cordovil, cujo comércio morreria a cada dia por força da expansão do Poder Paralelo já no que se convencionou chamar de “asfalto”. A Zona Norte tem um problema que é muito mais do Poder Público do que de qualquer outra pessoa. “Como punir um dono que não consegue recursos pra reformar um imovel e nem consegue inquilino pra ele por causa de problemas com o tráfico ou a milîcia ou as gangues de invasores profissionais!” .
“Toda Zona Norte passaria por uma crise em antigos pontos comerciais e industriais intimamente ligada à impossibilidade de se manter negócios sob o domínio do tráfico e das milícias, que expulsam o empresariado e os negócios formais, deixando corredores inteiros de imóveis vazios, como na rua Uranos, em Olaria e diversas outras“, finaliza.
Para os critérios da Prefeitura, os imóveis se classificam assim:
Imóvel não edificado é aquele sem construção por mais de oito anos.
Imóvel subutilizado é aquele que não atinge o Coeficiente de Aproveitamento Mínimo (CAMin), que corresponde a 50% do Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAB) definido pela legislação. Também se enquadram nessa categoria imóveis utilizados apenas como
estacionamento, com mais de 60% da área construída desocupada ou com mais de 60% das unidades imobiliárias autônomas desocupadas.
Imóvel não utilizado é aquele abandonado, com obra paralisada, em ruínas ou demolido há mais de cinco anos.
Imóveis tombados e preservados em estado de abandono por mais de três anos também podem ser considerados subutilizados. O objetivo é garantir a recuperação, conservação e valorização do patrimônio cultural da cidade.
Reviver Centro Cultural
Uma das iniciativas pensadas para reformar os antigos prédios e casarões do Centro do Rio e atrair investimentos é o Reviver Centro Cultural, que vem transformando antigos imóveis que estavam vazios em novos espaços culturais. A ação da prefeitura, com a iniciativa privada, tem como intuito revitalizar o Centro Histórico da cidade. Mais de 40 lojas e prédios históricos já foram alugados pelo programa e saíram do mercado, após bom tempo desocupados. Numa iniciativa parecida, a Prefeitura está trabalhando no projeto que visa converter a rua da Carioca, também no Centro, em Rua da Cerveja.
O projeto Reviver Cultural abrange uma área entre a Orla Conde, e as avenidas Primeiro de Março, Presidente Vargas, Rio Branco e Rua da Assembleia, sempre em imóveis de frente para a rua. A ideia é que, aos poucos, as ruas históricas do centro do Rio possam novamente reviver a cultura da cidade.
Alguns centros culturais como o Ginga Tropical (Rua da Alfândega), Queerioca (Arco do Teles/Praça XV), Casa Carnaval (Rua do Mercado), Casa TUCUM (Rua do Rosário), Centro de Pesquisa Avançada do Novo Samba Tradicional Onde o Coro Come – IBORU (Rua Sete de Setembro) e Casa de Cultura Volta do Mundo (Rua do Rosário) já estão em funcionamento.