A resolução 591/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode causar um retrocesso no direito à ampla defesa no Brasil. A análise é do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), que publicou uma nota nesta quinta-feira, 5, onde externa sua “profunda preocupação” com a medida.
A norma altera o formato dos julgamentos virtuais em Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais e prevê, a partir de fevereiro de 2025, a sustentação oral assíncrona (gravada e sem interação em tempo real) como regra nas sessões virtuais. Sua justificativa é informatizar o processo judicial, o que considera “essencial” para a modernização e a transparência do sistema Judiciário.
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Para a entidade, as novas disposições “podem vir a inviabilizar a devida participação do advogado e a efetividade das sustentações orais nos tribunais, se mostrando fundamental a revisitação da questão nas esferas cabíveis, sob pena de prejuízo da plena atuação profissional”.
O IASP conclui que “qualquer sorte de cerceamento de defesa se mostra incompatível com o Estado Democrático de Direito, sendo que defesa só pode ser considerada defesa quando exercida de forma plena”.
A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), por sua vez, concorda que a resolução representa uma grave violação das prerrogativas da advocacia. “Isso tolhe a prerrogativa fundamental de advogados e advogadas de sustentar oralmente e levantar questões de ordem durante as sessões”, diz a presidente da entidade, Patrícia Vanzolini.
O atual vice-presidente e presidente eleito da OAB-SP, Leonardo Sica, classifica a medida como abusiva. “Sustentação oral gravada é um faz de conta, um escárnio para os direitos da advocacia”, afirma. “O lugar apropriado para discutir e estabelecer regras processuais é o Congresso, em uma democracia.”
O posicionamento é corroborado pelo professor Maurício Bunazar, advogado e doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, trata-se de matéria diretamente ligada ao exercício do contraditório e da ampla defesa “e, portanto, é matéria processual civil que está sob o princípio da reserva de lei”. Ou seja, somente uma lei federal pode disciplinar.
A sustentação oral consiste na apresentação, de viva-voz, pelo advogado, das razões de seu cliente, segundo Bunazar, que acredita no risco de os julgadores sequer assistirem ao vídeo enviado pelo advogado.
“Veja, o advogado não falará ao vivo para todos os julgadores”, avalia o doutor em Direito Civil pela USP. “Simplesmente enviará um vídeo que, sejamos francos e realistas, nunca será visto por nenhum julgador.”
Assinada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que preside tanto o CNJ quanto o Supremo Tribunal Federal (STF), a medida pode ser vista como mais um passo na tendência da Suprema Corte em limitar a atuação dos advogados e enfraquecer suas prerrogativas, bem como em dispor obstáculos ilegais ao exercício da advocacia.
Como exemplo, Bunazar cita decisões que colocam o regimento interno do STF acima do Estatuto da OAB, “para, com isso, impedir que o advogado fale diretamente aos ministros”, e ações que negam ou dificultam ao máximo que advogados tenham acesso a autos de processos.
Deputado federal propõe revogar resolução do CNJ
O deputado federal Tião Medeiros (PP-PR) propôs, na quinta-feira da última semana, 28, um projeto de decreto legislativo que revoga os efeitos da resolução 591/2024. Segundo o parlamentar, ao impor a obrigatoriedade de sustentações orais virtuais, a resolução “restringe a atuação plena do advogado e prejudica a defesa dos interesses de seus constituintes”.
Para o deputado, a presença física do advogado em sessões de julgamento é essencial para garantir a efetividade da defesa e a interação direta com os magistrados. “A resolução do CNJ viola essas prerrogativas ao impedir a realização de sustentações orais presenciais, cerceando o direito do advogado de exercer plenamente sua função.”
Além disso, o texto destaca que a presença física do advogado nas sessões de julgamento permite uma comunicação mais eficaz e direta com os magistrados, por meio de elementos como linguagem corporal e entonação, que são perdidos com a imposição da sustentação virtual.
A medida aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Além do Congresso Nacional, o STF poderia anular a medida, o que Bunazar considera “muito improvável”, já que Barroso preside tanto o Supremo quanto o CNJ.
Leia também: “Justiça vendida”, reportagem de Rachel Díaz publicada na Edição 242 da Revista Oeste