A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara pôs em pauta um projeto de lei (PL) que busca implantar o voto impresso no sistema eleitoral brasileiro. O PL 1.169/2015 estipula que os partidos políticos terão a possibilidade de solicitar a recontagem dos votos até 48 horas depois do pleito, utilizando os registros físicos como base para a conferência dos resultados.
Essa ideia é defendida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e o texto é relatado pelo deputado José Medeiros (PL-MT). O parlamentar sugere que a responsabilidade pela recontagem recaia sobre os integrantes da própria seção eleitoral, de maneira a garantir uma verificação mais direta e local dos votos.
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Apesar do apoio de alguns setores, o Planalto resiste à proposta. Dias antes da inclusão do projeto na pauta, o governo apresentou um pedido de vista, a fim de adiar a discussão sobre o tema.
A pauta do voto impresso volta à cena no Brasil
Um modelo de votação que previa a recontagem de votos sofreu boicote nas eleições presidenciais brasileiras de 2022. Antigo consenso entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, o aperfeiçoamento das urnas eletrônicas virou objeto de discórdia depois de o então presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), defender a pauta.
À época, aliados de Bolsonaro criaram uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para dar mais transparência ao processo eleitoral. A matéria sugeria, por exemplo, a implantação de urnas de segunda geração nas eleições do país — o que possibilitaria a impressão do recibo do voto. Até mesmo siglas de esquerda deram sinal verde para avançar com o texto, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Para se ter ideia, a impressão do recibo do voto era defendida por políticos de diferentes matizes ideológicos:
- Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará
- Carlos Lupi (PDT), atual ministro da Previdência
- Roberto Requião (Mobiliza), ex-senador pelo Paraná
- Simone Tebet (MDB), atual ministra do Planejamento
- Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal
- Leonel Brizola (PDT), ex-governador do Rio de Janeiro
- Kim Kataguiri (União), deputado federal por São Paulo
- Rodrigo Maia (PSDB), ex-presidente da Câmara dos Deputados
- João Amoêdo, expulso do Partido Novo e ex-candidato à Presidência
O pessimismo entrou em cena quando o ministro do STF Luís Roberto Barroso, que na época ocupava também a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), decidiu rechaçar a proposta. Conforme reportagem publicada na Edição 69 da Revista Oeste, o magistrado virou entusiasta do atual sistema eletrônico brasileiro. “Já passou o tempo de golpes, quarteladas e quebras da legalidade constitucional”, declarou o ministro, ao justificar sua decisão. “Ganhou, leva. Perdeu, vai embora. Não há lugar no Brasil para a não aceitação dos resultados legítimos das urnas eletrônicas.” Os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli engrossaram a ofensiva e costuraram um acordo com 11 partidos para barrar a iniciativa.
Opositores de Jair Bolsonaro passaram a falar que o presidente era a favor da volta da cédula de papel, o que não era verdade. Em julho de 2022, por exemplo, Barroso foi interrompido ao afirmar isso durante uma palestra em um evento promovido por estudantes no Reino Unido. “Durante a minha gestão na presidência do TSE eu precisei lidar com a pandemia, precisei oferecer resistência aos ataques contra a democracia, e impedir esse abominável retrocesso que seria a volta ao voto impresso com contagem pública manual, que sempre foi o caminho da fraude no Brasil”, disse o ministro. Da plateia, uma mulher gritou: “É mentira… ninguém falou em contagem manual”.
O modelo rejeitado para as eleições brasileiras seria ainda mais seguro, porque os eleitores não teriam contato com o recibo do voto. Naquele sistema, impressoras seriam acopladas às urnas eletrônicas, imprimiriam o comprovante físico do voto e depois o depositariam num recipiente lacrado. Isso é possível somente em urnas de segunda e terceira geração. O Brasil ainda utiliza equipamentos de primeira geração.
Amílcar Brunazo, engenheiro especialista em segurança de dados e voto eletrônico, considera as urnas brasileiras ultrapassadas. “O Brasil acabou por produzir um sistema eletrônico de votação que não atende aos requisitos mínimos óbvios de transparência, a ponto de ser considerado inconstitucional quando avaliado por outras Supremas Cortes, como da Alemanha (2009) e da Índia (2014), que não acumulam a administração eleitoral”, observou o especialista, ao criticar a concentração de poder nas mãos do TSE.
A Justiça Eleitoral, formada pelo TSE e pelos Tribunais Regionais Eleitorais, é responsável pela organização, fiscalização e realização das eleições; regulação do processo eleitoral; análise das contas dos partidos e dos candidatos; controle do cumprimento da legislação; e julgamento dos processos relacionados às eleições.
O Brasil segue na vanguarda do atraso, com processos eleitorais ineficientes e urnas obsoletas
Em razão da quantidade de atribuições do TSE, o engenheiro Carlos Rocha, formado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), defende a descentralização dos poderes. “Não é crível que a autoridade eleitoral cuide de tudo”, afirmou. “A democracia brasileira não pode continuar a depender de um pequeno grupo de técnicos do TSE, que têm o controle absoluto sobre o sistema eletrônico de votação, de todos os códigos e chaves de criptografia.”
Ainda de acordo com o engenheiro do ITA, que liderou o desenvolvimento e a fabricação das urnas eletrônicas nos anos 1990, é fundamental aprimorar o processo eleitoral brasileiro. “Quem realiza as eleições não pode certificar os equipamentos, auditar os resultados e julgar os eventuais desvios”, argumentou.
Na maioria dos países que adotaram o voto eletrônico, as urnas de primeira geração foram abandonadas por falta de segurança. A Argentina, por exemplo, passou a utilizar as urnas de terceira geração, e o Equador, as de segunda geração. No Paraguai, ocorreram experiências com as urnas eletrônicas brasileiras entre 2003 e 2006. Esses testes fracassaram, e as autoridades daquele país proibiram o uso dos equipamentos antigos por causa do baixo nível de confiabilidade. Até mesmo Butão e Bangladesh, que utilizavam as urnas de primeira geração, passaram a substituí-las gradualmente. No Brasil, o mesmo modelo segue em vigor.