Perito ligado a Moraes temia prisão ou morte ao revelar bastidores

A Polícia Federal (PF) obteve mensagens que mostram o temor do perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O profissional receava ser preso, ou até morto, caso revelasse publicamente informações sigilosas sobre sua atuação na Corte. O jornal Gazeta do Povo divulgou as informações nesta terça-feira, 15.

Em conversas particulares com sua atual esposa, o perito declarou sentir medo do antigo chefe e expressou vontade de expor o que presenciou em Brasília.

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“Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende”, escreveu Tagliaferro pelo WhatsApp, em 31 de março de 2024. No mesmo diálogo, ele afirmou que gostaria de “contar tudo de Brasília” antes de morrer. Também revelou o desejo de “chutar o pau da barraca” e “jogar tudo para o alto”.

A PF extraiu essas mensagens inéditas do celular do ex-assessor e as incluiu no inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A investigação, pública, traz registros de conversas entre março e novembro do ano passado, acessíveis a qualquer cidadão cadastrado no sistema processual do STF.

O relatório da PF inclui links para arquivos com prints das mensagens trocadas com sua atual companheira e com seu advogado.

Tagliaferro monitorava dissidentes de Moraes

Tagliaferro ocupou o cargo de chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE entre agosto de 2022 e maio de 2023. Seu nome ficou em evidência em agosto do ano passado, quando a Folha de S.Paulo fez uma série de reportagens sobre mensagens do assessor com outros assessores de Moraes no STF e no TSE. As conversas vazadas indicavam que Moraes escolhia quem seria investigado e mandava os assessores providenciarem relatórios para justificar suas decisões. Em um dos casos, Oeste foi citada. O juiz assessor de Moraes no STF, Airton Vieira, mandou Tagliaferro “usar a criatividade” para incluir Oeste como “revista golpista”.

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Durante esse período, era responsável pela elaboração de relatórios que monitoravam políticos, influenciadores, veículos de imprensa e perfis nas redes sociais que faziam críticas ao TSE, ao STF ou ao próprio Moraes.

Esses relatórios embasaram decisões do ministro para remover publicações, suspender perfis e até abrir investigações no Inquérito das Fake News.

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No início de abril, a PF indiciou Tagliaferro pelo crime de violação de sigilo funcional com prejuízo à administração pública, com pena prevista entre dois e seis anos de prisão.

A acusação se refere ao suposto vazamento, à imprensa, de mensagens trocadas entre ele e outros assessores de Moraes. Em agosto do ano passado, o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagens mostrando como Moraes usava os relatórios da AEED para tomar decisões judiciais contra críticos do Judiciário.

“Se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende”

Na ocasião, o ministro justificou que os alvos dos relatórios já estavam sob investigação no Inquérito das Fake News e que o TSE, na presidência de Moraes, possuía poder de polícia para coletar provas.

As mensagens obtidas posteriormente revelaram, no entanto, que Tagliaferro criticava duramente o ex-chefe e temia represálias.

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“Sabe que hoje, se eu falar algo, o Ministro me mata ou me prende. Ele é um FDP”, desabafou o perito à esposa em outra conversa. Ele também comparou sua situação à de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Veja pelo Cid, falou algo num grupo privado, algo que nem seria crime, somente comentou uma verdade, o fdp mandou prender ele de novo”, escreveu, em referência ao episódio em que Cid teve áudios vazados com críticas a Moraes.

Tagliaferro pensou em suas filhas antes de “meter o louco” contra Moraes

Nos áudios, Cid afirmava que o ministro manipulava prisões, com ou sem Ministério Público, conforme sua vontade. Depois da divulgação, Moraes mandou prender Cid novamente, embora ele tenha posteriormente recuado e classificado os áudios como desabafo.

Tagliaferro demonstra crescente angústia ao relembrar o período em que trabalhou sob o comando de Moraes. Em conversa com a esposa, desabafou que havia chegado à conclusão de que “a vida é boa para quem é ruim”.

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O então assessor do TSE Eduardo Tagliaferro (à esq.) e o então presidente do TSE, Alexandre de Moraes | Reprodução/Instagram/edutagliaferro

O sentimento de frustração vinha acompanhado do desejo de romper o silêncio e expor tudo o que testemunhou, mas o perito afirmava que não podia se dar ao luxo de agir por impulso.

Tinha, segundo ele, uma responsabilidade maior: cuidar das filhas adolescentes. “Tenho as meninas”, justificou, ao explicar por que não poderia simplesmente “meter o louco e não fazer mais nada”.

TSE usava relatórios para justificar ordens de retirada de conteúdos

Em 23 de abril de 2024, a PF identificou um diálogo em que Tagliaferro admitia ter conversado com a Folha. Ao comentar com a mulher que havia repassado informações ao jornal, ela reagiu preocupada: “Não falou besteira, né?”. Ele respondeu: “O necessário. Mas não serei identificado.” Depois brincou: “Se eu morrer, já sabe rsrs.”

Na sequência, voltou a refletir sobre o conteúdo da conversa com a imprensa: “Pensando no que falei para a Folha.”

Quando a esposa perguntou se ele tinha dito algo imprudente, ele respondeu: “A verdade.” Ela retrucou: “Às vezes, a verdade não é uma boa opção.” Tagliaferro encerrou: “Eu sei, mas eu só trabalho com a verdade, mesmo ela não sendo a melhor opção.”

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Mais tarde, ele compartilhou com a esposa um link para um relatório em PDF. O documento, produzido por ele em 2022, abordava o episódio em que a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) perseguiu um homem armado na véspera do segundo turno das eleições.

O caso virou processo criminal contra a parlamentar. Dias depois, ele enviou à esposa uma reportagem sobre como o TSE usava relatórios para justificar ordens de retirada de conteúdo e ações contra plataformas como o Telegram.

Ela questionou se isso poderia prejudicá-lo. Ele negou. Mas, ao ser interpelado se precisaria sair do país, Tagliaferro respondeu apenas: “Não.”

Inquérito conduzido por Moraes autorizou quebra de sigilo de Tagliaferro

O inquérito, conduzido por Moraes, autorizou em agosto de 2024 a quebra de sigilo telemático de Tagliaferro. A medida permitiu à PF acessar arquivos armazenados na nuvem, incluindo conversas antigas em aplicativos de mensagem.

Além das mensagens com a esposa, o relatório incluiu diálogos com o advogado Eduardo Kuntz.

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Nesse sentido, a PF justificou o acesso como forma de investigar supostas condutas ilícitas associadas ao caso. Entretanto, depois da análise, não encontrou nenhum indício de crime por parte do advogado. À Gazeta do Povo, Kuntz criticou a operação da corporação.

“A investigação, em que pese ter sido realizada de forma arbitrária, teve seu lado positivo, pois deixou claro que minha atividade é lícita e que é a Polícia Federal quem colocou o Estado Democrático em xeque”, disse Kuntz.

Defesa de Tagliaferro diz que a exposição do material prejudica o perito

Os advogados que assumiram a defesa de Tagliaferro no início deste mês, Sarah Quinetti e Igor Lopes, também se manifestaram. Em nota, afirmaram que “a atuação de Eduardo sempre foi pautada na ética e na bravura” e que não há o que esconder sobre o conteúdo das mensagens.

Contudo, eles ressaltam que a exposição do material prejudica o trabalho do perito, que depende da profissão para sustentar a família. Segundo a defesa, Tagliaferro cumpriu sua função com sigilo, lealdade e profissionalismo.



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