Há anos no local, os barqueiros que ficam no Quadrado da Urca receberam ordem de “desocupação total” do local em uma notificação da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), na última segunda-feira (7). O documento fala ainda em “demolição” das caixas de fornecimento de energia elétrica e água potável, além da retirada dos ganchos para a atracação dos barcos. Segundo a Seop, as medidas foram tomadas com base no fato de a amurada da Urca ser um bem tombado, e as alterações realizadas pelos barqueiros representarem irregularidades.
Pescadores e donos de barcos atracados no local receberam o comunicado com muita apreensão. A região integra a Colônia da Z-13, com sede no Posto Seis, em Copacabana. O Fotógrafo e dono de barco, Tasso Marcelo, disse ao jornal O Globo que as contas de água e luz estão regulares e todas pagas. Tasso disse ainda que o Quadrado da Urca é um ponto turístico de grande importância, inclusive para artistas, que retratam o local em fotografias e pinturas.
“O Quadrado da Urca é um ponto turístico. Tem gente que vai lá para pintar quadros; é um local de aulas de fotografia. O colorido dos barcos chama muito a atenção. Fomos pegos de surpresa. São mais de cem famílias que dependem daquilo ali. Ainda tem as pessoas que lucram vendendo gelo, iscas e lanches para a gente”, disse o fotógrafo ao jornal.
O grupo constituiu um advogado para reverter a decisão. Jorge Ecir S. Soares afirmou ao Globo que a Soep agiu sob a influência de uma ação do Ministério Público do Rio (MPRJ) que obriga a Prefeitura a recuperar os bens tombados da cidade, sendo que as autoridades envolvidas não atentaram para o fato de que a arquibancada do Quadrado, onde ficam as caixas de água e luz e os ganchos dos barcos, não é tombada.
“O Quadrado é formado por três partes, piscina, arquibancada e amurada, e o tombamento é apenas na parte da amurada. Essa piscina foi construída para os Jogos Sul-Americanos de 1922, e em seguida transformou-se em um ancorador de barcos de pesca, fazendo parte da colônia de pescadores”, explicou o advogado, acrescentando que o tombamento aconteceu muitos anos depois do local já ser usado como ancorador de barcos. Jorge Soares lembra da lei estadual 7.790, de 28 de novembro de 2017, que confere um caráter especial às comunidades de pescadores:
“A lei declara como patrimônio cultural, histórico e imaterial do Estado do Rio de Janeiro, e consideradas de especial interesse social, as comunidades de pescadores, inclusive aquelas localizadas em unidades de conservação da natureza. Em razão disso é proibida a remoção ou remanejamento das comunidades de pescadores,” pontuou Soares, que entregou uma petição e vai acionar a Vara Federal para que os mais de cem barcos não sejam retirados do Quadrado.
“A principal questão para o MPRJ são as caixas de concreto que guardam os pontos de água e de luz, e, os ganchos em que prendemos os barcos. Por incrível que pareça, os barqueiros nunca foram notificados para nada, nem sabiam desta obrigação ou reclamação e poderiam, há muito, ter ajudado (a resolver a situação), se soubessem. A ação movida pelo MPRJ dizia que as ligações de água e luz eram clandestinas, mas não são e nunca foram. As contas sempre foram pagas. As ligações foram feitas pelas próprias concessionárias”, explicou o advogado.
Jorge Soares ressaltou que os barqueiros querem resolver a situação, mesmo que isso implique na interrupção do fornecimento de água e de luz. Segundo o advogado, os barqueiros se comprometem a ajudar na retirada das caixas de concreto e dos grampos que prendem as embarcações na arquibancada. Soares observou, no entanto, que ainda não existe uma ordem judicial determinando a retirada dos profissionais, além de questionar qual será o destino dos barcos.
“Se fizermos assim, a obrigação da prefeitura será rapidamente cumprida; só restará a obra de recuperação, emboço e pintura da amurada, o que realmente precisa ser feito. O mais importante é que a ação judicial em momento algum determinou a retirada dos barcos, e será de grande ajuda se eles entenderem isso. O MPRJ está cobrando, erroneamente, mais de R$ 26 milhões em multas diárias pelo fato de a prefeitura estar atrasada com a obra. Mas o prazo está sendo contado de forma errada. O atraso é de poucos meses e por culpa da Light e da Águas do Rio, que não cortaram o fornecimento de luz e água, e, também não poderiam, porque é tudo legalizado. A grande questão, portanto, foi a falta de comunicação com a comunidade pesqueira, justamente talvez a maior interessada, que não foi comunicada de nada e tem o maior interesse em ajudar”, comentou o representante dos barqueiros do Quadrado da Urca.
O jornal O Globo procurou a Seop, que informou que o processo está em análise e que tomará as providências cabíveis quando necessário.
Procurada, a Águas do Rio confirmou a existência e regularidade das ligações de água no local. A concessionária disse ao Globo que está verificando se há solicitação para a interrupção do fornecimento de água.
A Light e o Ministério Público também foram procurados pelo jornal, mas não responderam às solicitações.