Produtores rurais estão apreensivos com a chegada do “Abril Vermelho” – mês em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) costuma promover uma série de invasões de terra – e se preparam para reagir a essas ações. Diante disso, os produtores criaram um grupo chamado Invasão Zero e organizam uma campanha para tentar evitar a atuação dos sem-terra: o “Abril Amarelo”.
No ano em que o MST completa 40 anos, existe a preocupação de que essas ações sejam intensificadas durante o mês de abril de 2024. A programação oficial do MST ainda não foi divulgada, mas líderes do movimento já afirmaram que haverá “luta e mobilizações” em defesa da reforma agrária.
Por outro lado, o movimento de produtores rurais Invasão Zero defende o direito de propriedade e faz um alerta com o propósito de evitar essas invasões. Por meio de quatro orientações básicas, a campanha prioriza a comunicação com autoridades policiais e a montagem de acampamentos de produtores para evitar as invasões.
Enquanto isso, projetos de lei com o intuito de enfraquecer a atuação do MST seguem sem avanços no Congresso Nacional. Apesar do empenho da bancada do agro, após uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigar o MST em 2023, ainda não houve votações das propostas que integram o chamado “Pacote Invasão Zero”.
“Quem não fizer luta está fora da lei”, afirma dirigente do MST sobre o “Abril Vermelho”
O “Abril Vermelho” teve origem no Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em abril de 1996, que resultou na morte de 19 sem-terra no Pará. Após essa data, o MST passou a relembrar o fato e “celebrar” o mês de abril como um mês de luta, mobilizando a militância e promovendo uma série de ações, dentre elas, as invasões de terra. Além disso, a partir de 2002, o dia 17 de abril, foi instituído como o dia nacional de luta pela reforma agrária.
Um dos coordenadores nacionais do MST, Gilmar Mauro, afirmou ao site Brasil de Fato que haverá “luta” e “mobilizações” durante o mês de abril. “Esse é mais um capítulo e é a lei. Dia 17 de abril, assinado pelo Fernando Henrique Cardoso, está lá escrito: Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Quem não fizer luta está fora da lei. Nós vamos fazer luta, vamos fazer mobilizações. É isso que a nossa base quer, precisa, porque não recebeu absolutamente nada ainda nesse governo”, afirmou o dirigente do MST ao ser questionado sobre o “Abril Vermelho” em tom crítico à gestão petista.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é ligado ao MST e, mais uma vez, recebeu o apoio de seus integrantes durante a campanha eleitoral de 2022. No entanto, lideranças do movimento têm demonstrado insatisfação com a condução do governo no que diz respeito à reforma agrária.
A insatisfação com as respostas do governo ao MST tem sido externada por dirigentes e parlamentares ligados ao movimento. Para eles, o governo petista não tem adotado ações em prol da reforma agrária, o que foi prometido por Lula. Em junho de 2023, o presidente prometeu criar o que chamou de “prateleira de terras”. A intenção era que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fizesse um levantamento de terras improdutivas e devolutas da União para se antecipar às demandas do movimento.
Em fevereiro, o presidente do Incra, Cesar Aldrighi, e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, chegaram a apresentar ao presidente Lula uma proposta para assentar mais famílias no Brasil. No entanto, os detalhes sobre a medida ainda não foram divulgados. A Gazeta do Povo tentou contato com o ministério, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
Apesar de ter apoiado Lula durante a campanha eleitoral, o dirigente do MST Gilmar Mauro afirma que eles seguirão cobrando e até “batendo” no governo, ou seja: as críticas irão continuar e podem se intensificar neste mês.
“Uma coisa importante, nós ajudamos a eleger o governo Lula, nós entendemos como o nosso governo. […] É óbvio que nós vamos apoiar o governo naquilo que for importante para a sociedade brasileira, mas é óbvio também que nós vamos “bater” inclusive na presidência do Lula, naquilo que nós achamos que não serve para o povo brasileiro”, disse Gilmar Mauro também na entrevista para o Brasil de Fato.
No ano passado, as ações do “Abril Vermelho” foram registradas em pelo menos 18 estados. Somente em Pernambuco, o MST invadiu nove áreas, dentre elas, uma que pertence à Embrapa, na cidade de Petrolina. No Espírito Santo, áreas da empresa Suzano Papel e Celulose também foram invadidas por integrantes do movimento.
Movimento de produtores promete reagir às invasões do “Abril Vermelho”
A campanha do “Abril Amarelo” foi lançada em 1º de abril pelo movimento de produtores rurais Invasão Zero e deve ser um contraponto às invasões do MST em 2024. No ano passado, a reportagem da Gazeta do Povo mostrou como os primeiros grupos se formaram e como a iniciativa pretendia se espalhar pelo Brasil.
Em maio de 2023, a coordenação do Invasão Zero afirmavam que havia pelo menos 10 mil produtores conectados por meio de grupos de WhatsApp. Agora, o movimento afirma contar com cerca de 35 mil produtores espalhados pelos estados da Bahia, Rio Grande do Sul, Goiás, Pernambuco, Tocantins, Mato Grosso, Pará, Maranhão, Santa Catarina e Espírito Santo.
Um dos coordenadores do movimento de produtores, Luiz Uaquim, afirma que a reação às invasões já foi realizada no ano passado e que neste ano deve ganhar mais força. “Deflagramos [o “Abril Amarelo”] em todos os estados em que temos influência, para que todos os produtores se organizem. É uma reação. Eu espero que isso possa conter e evitar essas invasões que eles [MST] gostam tanto de fazer nesse mês de abril”, afirmou Uaquim.
As orientações do Invasão Zero para o “Abril Amarelo” são as seguintes:
- A qualquer movimentação de invasão, seja acampamento, movimentações, ônibus, etc., deve-se comunicar às autoridades policiais.
- Se houver acampamento de invasores, o proprietário da terra, os produtores vizinhos e amigos devem montar acampamento permanente para tentar evitar a invasão.
- Toda ação deverá ter a presença da autoridade policial e ser feita de forma ordeira e pacífica.
- Deverá ser comunicado imediatamente ao seu núcleo regional Invasão Zero.
A atuação do Invasão Zero, no entanto, recebeu críticas após a morte de uma indígena durante uma tentativa de coibir uma invasão. O fato ocorreu em janeiro deste ano, quando indígenas invadiram a Fazenda Inhuma, situada na zona rural de Itapetinga, na Bahia. Após a invasão, cerca de 200 produtores foram até o local para tentar expulsar os indígenas, mas acabaram entrando em conflito. Além da indígena morta, outro indígena foi atingido por um tiro e um produtor foi ferido no confronto.
Na oportunidade, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, usou as redes sociais para atribuir o assassinato ao grupo de produtores. “O grupo assassinou Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó, e baleou o cacique Nailton Muniz, que passou por cirurgia”, afirmou a ministra.
Em nota, o Invasão Zero repudiou os atos de violência e disse que o movimento é pacífico, ordeiro e legalista. “O Movimento Invasão Zero seguirá firme na busca da paz no campo, no respeito à propriedade e ao Estado Democrático de Direito”, dizia a nota.
Pacote Invasão Zero não avança e parlamentares têm atuação limitada
Apesar da promessa de avanço do Pacote Invasão Zero no Congresso, para conter as invasões de terras, ainda não houve votações dos projetos. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) chegou a promover uma campanha nas redes sociais contra as invasões, mas a articulação não foi capaz de fazer a pauta avançar nas Casas Legislativas.
Um requerimento de urgência chegou a ser apresentado no ano passado, para tentar garantir que a votação de propostas do pacote fosse priorizada no plenário, mas não obteve o número necessário de assinaturas. O mínimo era de 257 assinaturas, porém, cerca de 140 foram conquistadas.
O presidente da Frente Parlamentar Invasão Zero, deputado Luciano Zucco (PL-RS), chegou a se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para acelerar a tramitação das propostas, mas nenhuma definição ocorreu. O novo líder da oposição, deputado Filipe Barros (PL-PR), também sinalizou que deve buscar articulação para agilizar a votação do pacote Invasão Zero.
“Fui oficializado nesta segunda-feira (1º) como líder da oposição na Câmara dos Deputados, mas, antes mesmo de ser escolhido para o posto, o tema já estava em meu radar de prioridades. A partir da próxima semana, passarei a tratar dessa questão [combate às invasões de terra] na reunião do Colégio de Líderes da Casa”, disse Barros em nota para a Gazeta do Povo.
Em outra frente, a bancada do agro também buscou articular a votação dos projetos de lei que poderiam ser apreciados na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Apesar de conseguir eleger a deputada Caroline De Toni (PL-SC), membro da FPA e da ala combativa da CPI do MST, como presidente da CCJ, e reforçar o comprometimento da parlamentar com a pauta, a bancada do agro ainda não conseguiu que os projetos fossem sequer pautados para votação.
Das sete propostas listadas no pacote Invasão Zero, metade tramita em caráter conclusivo na CCJ, ou seja, não precisa ser analisada pelo plenário da Câmara para seguir para análise dos senadores.
A reportagem tentou contato com a assessoria da presidente da CCJ para saber como está a questão da pauta da comissão, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.