Os desvarios perpetrados a partir do Supremo Tribunal Federal (STF), com protagonismo do ministro Alexandre de Moraes, apenas se multiplicam. Há alguns dias, foi deflagrado o escândalo da “Vaza Jato”, dando conta de movimentações heterodoxas e informais do ministro junto a assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mesclando promiscuamente as funções de investigador, acusador e juiz para “montar casos” contra alvos específicos. Ex-auxiliar de Moraes, Eduardo Tagliaferro pediu que ele fosse declarado impedido de relatar o inquérito que apura os vazamentos.
É o óbvio do óbvio: se vazam mensagens expondo condutas indevidas do ministro, ele é diretamente interessado no caso. Não sendo suficiente manter esse famigerado “Inquérito das Fake News” já há meia década, acumulando, repita-se, a tarefa de investigar, acusar e julgar, ele ainda irá relatar o caso que investiga os vazamentos que demonstram precisamente que ele, com a licença do leitor para nova e irritante redundância, acumulou a tarefa de investigar, acusar e julgar? Não é demais? Aparentemente, para Luís Roberto Barroso, presidente do STF, não é, não. Barroso garante que não há nenhuma evidência de que Moraes teria interesses no caso. Nenhuma. Nenhumazinha. Talvez, da perspectiva de Barroso, sobrem evidências de que somos todos acéfalos o bastante para “engolir” essa “conclusão”.
Enquanto escrevo estas linhas, a liberdade de que a juristocracia brasileira goza para agir impunemente graças à conivência das demais autoridades, quer por corporativismo dos outros ministros do STF, quer por covardia dos parlamentares responsáveis por impor os freios necessários, atinge novo patamar de desmando e lunatismo. Moraes, através do perfil do STF na rede social X (o antigo Twitter), intimou Elon Musk a indicar um representante legal em 24 horas, sob pena da suspensão da rede social no país. Tal atitude deixaria o Brasil plenamente ladeado de um grupo seleto de nações autocráticas e amplificaria o vexame internacional que já estamos passando devido às ações de Moraes.
Diante da escalada sem reação do autoritarismo judiciário, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se manifestou em um tom que lembra velhos filmes a que já nos exaurimos de assistir. Ele prometeu “prudência” na análise de qualquer pedido de impeachment de Alexandre de Moraes. A seu ver, é imperativo que evitemos a intromissão de fatores como “lacração de rede social”, “desequilíbrio” e “medidas de ruptura” no assunto, pois “qualquer medida drástica de ruptura entre poderes nesse momento afeta a economia do Brasil, afeta a inflação, afeta o dólar, afeta o desemprego, afeta o nosso desenvolvimento”. Retomou ainda a cartada do “terrível golpe de Estado tramado em 8 de janeiro por defensores do AI-5” para investir contra os propositores de pedidos nesse sentido.
Outrora, tratava-se do Executivo, mas ouvimos isso quando se tratava do impeachment de presidentes da República. Ouvimos isso quando depusemos Dilma Rousseff: “A economia sofrerá, os argumentos são insuficientes, impeachment é uma aventura, impeachment é um golpe de Estado.” Sempre que situações claramente extremas demandam soluções definitivas, nossos homens públicos fingem que estão se importando com qualquer outro valor que não a tranquilidade de suas posições privilegiadas.
O impeachment mais justificado da História
O Brasil está convivendo com um regime de imposição de censuras totalmente arbitrárias desde 2019. Responsabilizar um ministro do STF dentro da esfera do Legislativo, que é justamente o poder que dispõe de prerrogativas constitucionais para tal, não seria uma medida de ruptura. Seria uma medida de correção. Se for para sempre alegarem que impeachment é golpe, nossos políticos deveriam reclamar logo com os parlamentares constituintes de 1988 que consagraram tal dispositivo na malfadada Carta Magna em vez de usarem uma desculpa fajuta para fugirem de suas responsabilidades.
Servindo-me dos termos do próprio Moraes, tratar o impeachment mais justificado da História como uma “ruptura” é “atentar contra as nossas instituições democráticas”, é pôr em dúvida a nossa tão louvada Constituição. O impeachment está previsto nela e Suas Excelências têm o poder para isso, sem golpe, sem revolução, sem “virada de mesa” alguma. Ruptura — com o Estado de Direito, com as garantias individuais, com a liberdade de expressão — é o que tem sido a rotina, com a colaboração dos omissos.
A reparação desse desatino contínuo está em suas mãos, Pacheco, mais do que nas de qualquer outro. É sua e de seus pares senadores a responsabilidade por manter o país sob tamanho estresse inconsequente e, portanto, têm o condão de revertê-lo. A História os julgará.
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