Pelo fim das cracolândias

Um projeto de lei de iniciativa popular quer acabar com as cracolândias e reduzir o número de dependentes químicos. A proposta visa a internação compulsória de pessoas reincidentes em pequenos delitos enquanto estavam sob efeito de drogas.

“A finalidade da medida é evitar que indivíduos que cometem crimes, geralmente não violentos, como furtos de fios de metais, fios de celulares e outros bens, sejam liberados em audiências de custódia”, afirma o projeto.

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A proposta foi realizada por meio da união de moradores, juristas e autoridades de segurança pública da Baixada Santista. A delegada do 2º Distrito Policial de Santos (SP), Liliane Doretto, é uma das autoras da proposta. Em entrevista a Oeste, ela afirmou que realiza com frequência a detenção de pessoas sob efeito de drogas.

Delegada do 2 DP de SantosDelegada do 2 DP de Santos
Liliane Doretto atua há mais de 20 anos como delegada | Foto: Reprodução/Redes sociais

A delegada acredita que a lei é necessária para encerrar um ciclo em que o criminoso é preso, solto em audiência de custódia e pego novamente pela polícia por prática criminosa.

“Aquela pessoa que saiu pela porta da frente do fórum, nele há uma sensação de que pode fazer o que quiser”, afirmou Liliane. “Além disso, ele progride na conduta criminosa. Já peguei latrocidas que tiveram, a menos de um mês antes do latrocínio, 17 passagens pelo crime de furto. Ele foi flagrado furtando, e 17 vezes saiu pela porta da frente.”

Liberdade provisória

As audiências de custódia começaram a ser implantadas no Brasil em 2015. Dessa forma, toda pessoa detida pela polícia deve passar por um julgamento perante um juiz para que o magistrado decida se o detido deve responder pelo crime em liberdade ou na prisão.

O Conselho Nacional de Justiça implantou a medida por causa da demora do Estado em julgar os investigados. Liliane explica que, antes das audiências de custódia, era comum que um criminoso ficasse preso preventivamente por um tempo maior que o da pena do crime cometido.

Atualmente, o juiz avalia se o investigado deve permanecer na prisão antes do julgamento. Entre os critérios para uma prisão cautelar, estão evitar que o acusado cometa novos crimes ou prejudique o andamento do processo, como destruir provas ou ameaçar testemunhas.

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Porém, para crimes considerados não violentos, como o caso de furto — em que o objetivo foi subtraído sem gerar ameaças às vítimas —, os juízes entendem que o investigado deve ser liberado na audiência de custódia.

Segundo a delegada, a reincidência no crime tende a não alterar o julgamento do juiz. Dessa forma, os criminosos de pequenos delitos são presos e liberados inúmeras vezes.

“Você imagina o custo para o Estado realizar esse trabalho e você imagina a sensação de impotência da polícia e da sociedade”, afirmou Liliane. “Eu poderia pegar esses policiais que realizam essas detenções, que na verdade é secar gelo, e colocá-los em departamentos de inteligência e realmente trabalhar no foco do problema, em crimes que sejam de mais relevância.”

Alimentando o vício nas cracolândias

Operação caronte na CracolândiaOperação caronte na Cracolândia
Agentes da Polícia Civil atuam durante a Operação Caronte contra o tráfico de drogas na cracolândia, na região central da capital paulista | Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo

Liliane explicou que grande parte desses delinquentes reincidentes são moradores de rua e usuários de drogas. Eles realizam pequenos delitos com o intuito de conseguir dinheiro ou objeto de valor para trocar por entorpecentes.

“Não temos como manter essas pessoas presas, porque o crime é não violento”, explicou Liliane. “Sabemos que ela está sob efeito de drogas, ou seja, ela comete esses crimes para manter o vício.”

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Dado o problema, Liliane Doretto conversou com promotores e autoridades do Judiciário para entender o que poderia ser feito para resolver o problema. A delegada acredita que internar os dependentes químicos é a principal medida contra esses pequenos delitos.

Liliane explica que manter essas pessoas encarceradas não vai resolver a situação. Ela defende que os dependentes passem por tratamento de saúde, com atenção médica e psiquiátrica. 

“A gente tem que olhar de uma maneira muito humana”, afirmou. “Porque nós podemos ter um parente ali ou mesmo a gente sofrer uma decepção e de repente passar a usar drogas ou então viver em situação de rua e cometer crimes para sustentar o vício ou para se sustentar. Pegar uma pessoa sob efeito de drogas e jogar numa penitenciária comum, é no mínimo uma covardia.”

Tratamento da dependência

Tratamento médicoTratamento médico
Os dependentes iriam passar por tratamento e acompanhamento médico | Foto: Fernando Zhiminaicela/Pixabay

O projeto de lei defende a fomentação de Centros de Atenção Psicossocial e de Unidades de Pronto Atendimento para prestar o atendimento necessário aos dependentes químicos.

Segundo a proposta, para que uma pessoa ser encaminhada para a internação compulsória, é necessário um parecer médico fundamentado que “constate a incapacidade temporária ou permanente do indivíduo de gerir sua própria saúde e segurança”.

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Além disso, a internação compulsória deve ser determinada por decisão judicial, depois do relatório médico. O projeto ainda prevê que o Ministério Público ingresse com um Incidente de Sanidade Mental para avaliar a condição psicológica e psiquiátrica do detento.

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“A Justiça deverá garantir que as decisões sejam baseadas em pareceres médicos que levem em consideração a condição mental e física do dependente químico, sem permitir que esses indivíduos retornem imediatamente às ruas após a audiência de custódia, o que muitas vezes gera o sentimento de impunidade e desproteção na sociedade”, afirma trecho da proposta.

A delegada explicou que pretende enviar o projeto de lei para a Câmara dos Deputados. Atualmente, um cidadão pode enviar um projeto de iniciativa popular para o Parlamento, porém, para entrar em tramitação são necessárias assinaturas de 1% dos eleitores, cerca de 1,5 milhão de pessoas, de cinco Estados.

“Eu gostaria que fosse iniciativa popular para despertar nas pessoas o quanto elas são valiosas”, ressaltou Liliane. “Mas, pelo jeito, é um trabalho que não vou conseguir se eu não me recorrer a algum deputado, algum senador.”

Liliane criou uma pedição na internet para colher assinaturas. Até o fechamento da reportagem, o projeto contava com cerca de 2 mil assinaturas.

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