A primeira-dama Janja da Silva afirmou que alguns ex-presidentes da República não deveriam ter suas fotos expostas na galeria de imagens do Palácio do Planalto. A declaração ocorreu durante uma visita à galeria de fotos localizada no piso térreo do palácio, que foi reaberta na última quarta-feira, 6.
O comentário foi feito enquanto Janja observava a foto de Ranieri Mazzilli, que governou o Brasil por apenas 13 dias depois da queda do presidente João Goulart, em 1964, período em que ocupava o cargo de presidente da Câmara dos Deputados. “Do dia 2 [de abril de 1964] ao dia 15, gente, ele não merece estar aqui”, disse a mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Ah, tem vários que não merecem.”
Quem foi Ranieri Mazzilli
Ranieri Mazzilli nasceu em 27 de abril de 1910, em Caconde, no interior paulista. Filho de imigrantes italianos, Mazzilli desde cedo já demonstrava aptidão para a leitura e para o aprendizado das matérias fundamentais.
Embora Caconde oferecesse uma educação básica de qualidade, Ranieri precisou buscar oportunidades fora de sua cidade natal para prosseguir nos estudos. Sua educação secundária foi dividida entre São Paulo e Ouro Fino (MG).
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Esse período de formação o aproximou de Sylvia Pitaguary Serra, com quem se casaria em 1933, em um momento de grande relevância para sua vida pessoal e profissional. O casal teve três filhos: Maria Lúcia, Luís Guilherme e Luís Henrique.
A dedicação aos estudos no setor administrativo e o interesse por temas tributários foram marcas de Mazzilli desde jovem. Ele buscou ampliar seu conhecimento na área ao ingressar na Faculdade de Direito em Niterói, no Rio de Janeiro. As informações estão contidas no livro Muitas vidas, de Hugo Mazzilli, irmão de Ranieri.
Início na política e Revolução de 32
A carreira pública de Ranieri Mazzilli começou em 1932, quando ele foi nomeado coletor federal em Taubaté, no interior de São Paulo. No cargo, começou a se destacar pela seriedade com que conduzia suas responsabilidades administrativas.
No entanto, o clima político do Brasil estava prestes a mudar drasticamente, e Mazzilli, como muitos de sua geração, foi diretamente impactado pela Revolução Constitucionalista de São Paulo.
Ele não hesitou em se alistar e passou a integrar o Batalhão Sete de Setembro, unidade de combate que começou suas campanhas em Guaxupé (MG). Ele participou ativamente e foi promovido a primeiro-tenente durante os confrontos.
Mazzilli participou de operações militares importantes, principalmente nas localidades conhecidas como Batedor, Engenheiro Bianor e Engenheiro Neiva, todas no Vale do Paraíba, em São Paulo. Foi nessa frente de batalha que foi promovido a capitão.
Com o término da Revolução em setembro de 1932, Mazzilli foi exonerado do cargo de coletor federal por causa de sua atuação contra o governo. No entanto, com a anistia concedida aos constitucionalistas em 1935, acabou reconduzido ao serviço público e foi designado para a 1ª Coletoria de Sorocaba (SP). Durante esse período, Mazzilli expandiu sua atuação para a educação, onde lecionou economia na Escola de Comércio da cidade do interior paulista.
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Seus conhecimentos aprofundados em economia e tributação logo atraíram a atenção de líderes administrativos, que o convidaram a implementar métodos de trabalho na Recebedoria de Rendas do Distrito Federal, na então capital do país, Rio de Janeiro. Essa experiência de sucesso o levou a escalar cargos até chegar a Chefe de Gabinete do Ministro da Fazenda, que à época era o Dr. Guilherme da Silveira.
O crescimento de sua reputação como técnico e administrador o catapultou para a política de forma definitiva. Em 1950, Mazzilli foi eleito deputado federal pelo Partido Social Democrático (PSD), cargo que daria início a sua influência na política nacional.
Ele assumiu uma posição de liderança e ganhou grande destaque ao ser reeleito várias vezes. O trabalho na Câmara dos Deputados o conduziu ao que seria um dos períodos mais influentes de sua carreira: a presidência da Casa legislativa, onde teria papel decisivo nas maiores crises do país.
A Presidência da Câmara
Ranieri Mazzilli assumiu a presidência da Câmara dos Deputados em 1958, depois de uma vitória significativa sobre o candidato governista, um feito que impressionou a política nacional, dado o seu histórico de técnico e administrador público.
Durante sete anos consecutivos, Mazzilli ocupou o cargo e foi reeleito repetidamente. Sua atuação era pautada pela moderação e pela habilidade em conduzir discussões políticas, características que se tornaram essenciais em momentos de forte tensão e conflito institucional.
Esse longo período como presidente da Câmara o colocou em uma posição estratégica e fez com que ele assumisse a presidência da República em algumas ocasiões em que os presidentes estavam ausentes. A primeira vez foi em 1960, quando Juscelino Kubitschek viajou para Portugal.
Entretanto, a situação mais emblemática de sua carreira ocorreu em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros. Naquela ocasião, Mazzilli se viu no centro de uma das maiores crises da história republicana. Com a renúncia de Jânio, houve uma forte resistência militar à posse do vice-presidente João Goulart, que estava em viagem oficial à China.
As Forças Armadas, então, sugeriram a Ranieri que permanecesse no poder, mas ele recusou a ideia de aceitar um mandato sem legitimidade parlamentar. Mazzilli manteve sua postura até o Congresso aprovar uma emenda que instituiu o regime parlamentarista, o que permitiu a posse de João Goulart em um sistema de governo modificado.
O regime militar de 1964, e Ranieri Mazzilli na Presidência
Em 2 de abril de 1964, Mazzilli assumiu a Presidência da República pela segunda vez, novamente em um contexto de intensa turbulência política. Com a declaração de vacância do cargo de presidente da República por causa da ausência de João Goulart, que havia deixado Brasília, o Congresso Nacional se reuniu em uma sessão extraordinária convocada pelo então presidente do Senado, Auro Soares de Moura Andrade, e Mazzilli foi nomeado para ocupar o cargo de presidente interino.
As condições do período eram extremamente tensas. Mazzilli assumiu o Palácio do Planalto em meio a uma forte presença militar e a movimentos políticos que buscavam direcionar o governo para uma ruptura com o regime vigente.
Ainda assim, ele manteve uma postura cautelosa ao garantir a transição do poder. O mandato de Mazzilli, entretanto, foi curto: permaneceu na Presidência até 15 de abril de 1964, quando transferiu o cargo ao marechal Humberto Castelo Branco, eleito pelo Congresso em uma votação indireta — o que deu início ao regime militar.
A ocupação do cargo em 1964 foi marcada por um episódio curioso: ao chegar ao Palácio do Planalto para assumir o governo, uma sentinela apontou uma arma em sua direção, a fim de impedir sua entrada. Com firmeza, Mazzilli afirmou sua condição de presidente e afastou a arma com a mão, o que permitiu que ele passasse.
Acusações de corrupção e morte
Com o regime militar estabelecido, Ranieri Mazzilli passou a enfrentar dificuldades na sua carreira política. A oposição a seu nome tornou-se evidente com o lançamento de uma investigação em 1965, que buscava apurar alegações de irregularidades financeiras em sua campanha.
Acusações de suposto caixa dois e corrupção surgiram, mas foram desmentidas posteriormente, já que testemunhas confessaram que tinham sido coagidas a depor.
Mazzilli, porém, não conseguiu reeleger-se para a presidência da Câmara dos Deputados e perdeu a disputa eleitoral para um novo mandato como deputado federal em 1965. A eleição de Bilac Pinto, apoiado pelo governo, para a presidência da Câmara representou o fim de uma era para Mazzilli.
Ranieri Mazzilli morreu em 21 de abril de 1975, em São Paulo, em decorrência de complicações pós-operatórias. Sua morte gerou comoção e trouxe à tona discursos emocionados dos colegas na Câmara dos Deputados, que destacaram sua contribuição para a política brasileira e sua postura digna em momentos de crise.
Ulysses Guimarães, ao falar sobre o legado de Mazzilli, destacou sua capacidade de liderar a Câmara dos Deputados com respeito às diferenças e sem precisar interromper uma sessão sequer. “Este recurso extremo ele nunca precisou exercer, sempre soube impor sua autoridade.”
A Câmara dos Deputados e a Prefeitura de Caconde prestaram uma homenagem ao batizar a praça principal da cidade como Praça Ranieri Mazzilli, onde hoje se encontra a Igreja Matriz.
Leia também: “O Brasil de Janja”, artigo de J. R. Guzzo publicado na Edição 228 da Revista Oeste