Roberto Anderson: O panfletinho – Diário do Rio de Janeiro

O cara pegou o panfleto, olhou com raiva para quem lhe entregou, amassou o papel de forma a que sua ação fosse vista, e jogou-o no chão. Chato isso, não? Mas é parte do jogo. É hora de campanha eleitoral, momento de tentar convencer os eleitores a prestarem atenção no candidato que se crê bem-intencionado e com vontade de mudar o mundo pela via eleitoral.

O panfleto em questão traz informações sobre a trajetória do candidato, suas propostas, as personalidades conhecidas que o apoiam e suas fotos. É até bonitinho, bem diagramado, e com um português correto. Diferente de certos panfletos que circulam por aí com diagramações pavorosas, refletindo seus conteúdos reacionários. Distribuir panfletos é uma arte. É preciso saber cumprimentar o passante, captar a sua atenção, e conseguir que ele aceite levar um exemplar. Se será lido com um mínimo de atenção é a grande incógnita de toda essa maratona.

Uma senhora o aceita e sorri. Um senhor logo atrás também. Mas a senhora seguinte não. E, como numa reação em cadeia, os próximos passantes que presenciaram a rejeição também o rejeitam. Há um certo comportamento de manada entre as pessoas e é preciso recomeçar, conquistar alguém que aceite, e torcer para que a onda de aceitação dure pelos próximos passantes. E assim segue o entregador de panfletos, alguém que não pode ter baixa estima…

Um casal que se aproxima é o próximo alvo. Ele, com cara fechada, recusa. Mas, como é comum acontecer, ela aceita o panfletinho. É como se aquele pequeno ato fosse a reafirmação da sua independência frente ao companheiro. Outra senhora puxa conversa, quer saber mais detalhes. Ouve atentamente e ao fim promete que seu voto foi conquistado. Mas, sabe-se que isto irá durar até o próximo convencimento pelo cabo eleitoral do candidato concorrente. Até o dia da eleição há um longo caminho a ser percorrido.

Após ser aceito e rejeitado por tantas mãos, o panfletinho do candidato foi aceito por um desatento morador de rua. Ele apenas pega o papel enquanto passa puxando seu carrinho de feira meio vazio. Sequer olha para ver do que se trata. O panfletinho é jogado no carrinho e lá fica, sobre a grade metálica. De vez em quando uma brisa levanta suas pontas, tentando fazê-lo voar para a rua. Mas ele segue no carrinho, sendo puxado por calçadas, ruas e praças.

Outras coisas vêm se instalar junto ao panfletinho. Latas de alumínio vazias, jornais, uma bermuda velha, uma quentinha já comida pela metade. O morador de rua roda por muitos lugares, atravessa bairros da cidade e, finalmente, para embaixo de uma marquise. O homem tem muitas tarefas a executar. Separar a traquitana que juntou durante o dia, preparar a cama na calçada, comer o resto da quentinha. Por fim, já não tendo mais o que fazer, ele lembra do panfletinho. Pega-o com as mãos de unhas enegrecidas, olha as fotografias e, com o pouco de leitura que aprendeu quando criança, vai tentando entender do que se trata.

Ele lê palavra por palavra, às vezes soletrando as letras. Juntando as frases com paciência, acha que compreende o que ali está contido. Aquele pedaço de papel fala da condição de vida dos pobres, gente como ele. Fala do descuido com a cidade, o que ele percebe em suas andanças diárias. Fala do descaso com o meio ambiente e do aumento da temperatura, coisa que ele bem sabe ser verdade, pois os dias estão cada vez mais quentes nas ruas onde vive.

Uma frase lhe chama a atenção. Fala da necessidade de se olhar para o crescente número de pessoas vivendo nas ruas, sem condições de higiene e segurança. Ele sente que é sobre ele que aquilo foi escrito. A emoção lhe umedece os olhos. Alguém se importa. Dobra com cuidado o panfletinho e guarda-o no bolso da camisa. Esse pedaço de papel não irá se juntar aos jornais velhos que ele venderá para o homem da reciclagem. Seguirá com ele, pelo menos até que a camisa velha se perca por aí.

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