Às vésperas das eleições municipais deste ano, que elegem vereadores e prefeitos no domingo (6/10), cerca de um milhão de brasileiros são orientados a não votar por motivos religiosos. São as testemunhas de Jeová, conhecidas por seguirem uma doutrina rígida inclusive em questões comportamentais.
De acordo com a própria organização, que se considera “neutra” em assuntos políticos, os fiéis não “votam em candidatos ou partidos políticos, não concorrem em cargos políticos e não participam de nenhuma ação para influenciar ou mudar governos”.
Ex-membros da religião ouvidos pelo Metrópoles relatam pressão de pastores para não votar e não participar de processos eleitorais ou campanhas, com risco de serem expulsos do grupo. Após deixarem a denominação, também não podem manter contato com os religiosos, nem mesmo familiares, sendo excluídos do convívio social.
O voto é obrigatório no Brasil para maiores de 18 anos, e facultativo para analfabetos, maiores de 70 anos e jovens entre 16 e 18 anos. Também é garantido aos brasileiros o direito a se candidatar a cargos políticos e à filiação partidária.
Eliene Santos, de 50 anos, é cuidadora de idosos e vive em Campinas (SP). Em 2005, decidiu deixar a religião, da qual toda a família faz parte, exceto o pai. Ao Metrópoles, descreveu as regras do grupo como “desumanas” e “um fardo muito pesado”.
“Depois que eu entrei, eu descobri as regras de que não poderia votar, não pode participar da política”, relata Eliene. “Se você for visto em um comício de um político, você é penalizado com a expulsão, você é chamado em um tribunal paralelo com três anciões, que são os pastores lá, e eles lêem um texto da Bíblia, fazem com que você acredite que você está fazendo uma coisa errada, você está apoiando os sistemas de Satanás, que o cristão não faz parte desse mundo”, relata ela.
Veja fotos de livro utilizado por religiosos:
Família dividida
As punições impostas pelo grupo dividiram a família de Eliene, onde apenas o pai não segue a doutrina. “Ele faz parte do movimento da reforma agrária. Eu vi o meu pai se esforçando, trabalhando pela justiça social, quis apoiar, eles disseram que eu não poderia fazer isso, que era contra a lei de Deus e, se eu fizesse, eu seria punida. Aí que eu passei a perceber que eles mandavam demais na vida das pessoas, que não era só a fé”, relembrou.
Hoje, quase vinte anos depois de ter deixado a religião, ela ainda sofre os efeitos, como o contato reduzido dos próprios filhos com a mãe. “Minha família não pode visitar minha casa, minha mãe não pode falar comigo, minha mãe tem uma convivência bem pouca com os meus filhos, a ponto de chamar os dois pelo mesmo nome porque ela não conhece as crianças de fato”, conta Eliene.
Durante a pandemia, a cuidadora de idosos perdeu o marido, e a família não compareceu ao velório. “Uma testemunha de Jeová não pode nem mesmo ir ao enterro de uma pessoa que saiu de lá. Não só no meu enterro, que estou em ‘disciplina’, mas no enterro dos meus filhos, no enterro do meu marido, as pessoas que estão comigo, se não estão na reunião deles e não fazem parte da crença, então a pessoa está ‘morta para Deus’. E isso tem acontecido com todos que saem de lá, não só comigo.”
A perda de contato com a família por motivações da religião é algo que também atingiu Yann Rodrigues, de 23 anos. O escritor, que mora em São Paulo (SP), decidiu “dar um basta” e, após deixar as testemunhas de Jeová, se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) para “tentar, pelo menos, mudar algumas coisas na política brasileira”.
“Essa decisão me custou caro”, afirmou. “A organização me tratou com preconceito, e, o pior de tudo, minha própria família cortou laços comigo. Minha avó, alguém que sempre amei profundamente, disse que enquanto eu estivesse envolvido com política, eu nunca mais colocaria os pés na casa dela. Ela acredita que, por estar na política, eu estou envolvido diretamente com o inimigo de Deus, com o diabo”, contou.
Segundo Yann, ele já tentou diversas vezes visitar a casa da avó, mas sem sucesso. “Ela sabe que sou eu, mas fecha a porta, dizendo que sou enviado de Satanás, simplesmente porque estou na política tentando melhorar a vida dos cidadãos brasileiros”, lembrou.
“Essa ruptura foi dolorosa, mas, apesar de todo o preconceito e isolamento que sofro até hoje, sinto que tomei a decisão certa. Para mim, fazia muito mais sentido seguir meu caminho na política e tentar mudar o que está errado no mundo, do que continuar preso às doutrinas extremistas da religião”, avaliou.
Confira a página especial do Metrópoles sobre as Eleições de 2024.
Voto nulo
Yann disse ter nascido em uma família que já seguia a religião e não teve “escolha” até atingir a maioridade. Quando adolescente, começou a estranhar não poder participar do grêmio estudantil ou engajar no pleito para escolher um conselheiro tutelar ou representante sindical.
“As testemunhas de Jeová mascaram sua postura em relação às eleições de forma estratégica. Embora o voto seja obrigatório no Brasil, eles orientam os membros a votar nulo. E vão além: deixam claro que votar em branco é inaceitável, porque, segundo eles, ao fazer isso, o membro estaria indiretamente participando da política, o que é considerado pecado”.
O Metrópoles tentou, sem sucesso, pedir uma manifestação da direção das Testemunhas de Jeová sobre o assunto eleições. O espaço segue aberto.
Às vésperas das eleições municipais deste ano, que elegem vereadores e prefeitos no domingo (6/10), cerca de um milhão de brasileiros são orientados a não votar por motivos religiosos. São as testemunhas de Jeová, conhecidas por seguirem uma doutrina rígida inclusive em questões comportamentais.
De acordo com a própria organização, que se considera “neutra” em assuntos políticos, os fiéis não “votam em candidatos ou partidos políticos, não concorrem em cargos políticos e não participam de nenhuma ação para influenciar ou mudar governos”.
Ex-membros da religião ouvidos pelo Metrópoles relatam pressão de pastores para não votar e não participar de processos eleitorais ou campanhas, com risco de serem expulsos do grupo. Após deixarem a denominação, também não podem manter contato com os religiosos, nem mesmo familiares, sendo excluídos do convívio social.
O voto é obrigatório no Brasil para maiores de 18 anos, e facultativo para analfabetos, maiores de 70 anos e jovens entre 16 e 18 anos. Também é garantido aos brasileiros o direito a se candidatar a cargos políticos e à filiação partidária.
Eliene Santos, de 50 anos, é cuidadora de idosos e vive em Campinas (SP). Em 2005, decidiu deixar a religião, da qual toda a família faz parte, exceto o pai. Ao Metrópoles, descreveu as regras do grupo como “desumanas” e “um fardo muito pesado”.
“Depois que eu entrei, eu descobri as regras de que não poderia votar, não pode participar da política”, relata Eliene. “Se você for visto em um comício de um político, você é penalizado com a expulsão, você é chamado em um tribunal paralelo com três anciões, que são os pastores lá, e eles lêem um texto da Bíblia, fazem com que você acredite que você está fazendo uma coisa errada, você está apoiando os sistemas de Satanás, que o cristão não faz parte desse mundo”, relata ela.
Veja fotos de livro utilizado por religiosos:
Família dividida
As punições impostas pelo grupo dividiram a família de Eliene, onde apenas o pai não segue a doutrina. “Ele faz parte do movimento da reforma agrária. Eu vi o meu pai se esforçando, trabalhando pela justiça social, quis apoiar, eles disseram que eu não poderia fazer isso, que era contra a lei de Deus e, se eu fizesse, eu seria punida. Aí que eu passei a perceber que eles mandavam demais na vida das pessoas, que não era só a fé”, relembrou.
Hoje, quase vinte anos depois de ter deixado a religião, ela ainda sofre os efeitos, como o contato reduzido dos próprios filhos com a mãe. “Minha família não pode visitar minha casa, minha mãe não pode falar comigo, minha mãe tem uma convivência bem pouca com os meus filhos, a ponto de chamar os dois pelo mesmo nome porque ela não conhece as crianças de fato”, conta Eliene.
Durante a pandemia, a cuidadora de idosos perdeu o marido, e a família não compareceu ao velório. “Uma testemunha de Jeová não pode nem mesmo ir ao enterro de uma pessoa que saiu de lá. Não só no meu enterro, que estou em ‘disciplina’, mas no enterro dos meus filhos, no enterro do meu marido, as pessoas que estão comigo, se não estão na reunião deles e não fazem parte da crença, então a pessoa está ‘morta para Deus’. E isso tem acontecido com todos que saem de lá, não só comigo.”
A perda de contato com a família por motivações da religião é algo que também atingiu Yann Rodrigues, de 23 anos. O escritor, que mora em São Paulo (SP), decidiu “dar um basta” e, após deixar as testemunhas de Jeová, se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) para “tentar, pelo menos, mudar algumas coisas na política brasileira”.
“Essa decisão me custou caro”, afirmou. “A organização me tratou com preconceito, e, o pior de tudo, minha própria família cortou laços comigo. Minha avó, alguém que sempre amei profundamente, disse que enquanto eu estivesse envolvido com política, eu nunca mais colocaria os pés na casa dela. Ela acredita que, por estar na política, eu estou envolvido diretamente com o inimigo de Deus, com o diabo”, contou.
Segundo Yann, ele já tentou diversas vezes visitar a casa da avó, mas sem sucesso. “Ela sabe que sou eu, mas fecha a porta, dizendo que sou enviado de Satanás, simplesmente porque estou na política tentando melhorar a vida dos cidadãos brasileiros”, lembrou.
“Essa ruptura foi dolorosa, mas, apesar de todo o preconceito e isolamento que sofro até hoje, sinto que tomei a decisão certa. Para mim, fazia muito mais sentido seguir meu caminho na política e tentar mudar o que está errado no mundo, do que continuar preso às doutrinas extremistas da religião”, avaliou.
Confira a página especial do Metrópoles sobre as Eleições de 2024.
Voto nulo
Yann disse ter nascido em uma família que já seguia a religião e não teve “escolha” até atingir a maioridade. Quando adolescente, começou a estranhar não poder participar do grêmio estudantil ou engajar no pleito para escolher um conselheiro tutelar ou representante sindical.
“As testemunhas de Jeová mascaram sua postura em relação às eleições de forma estratégica. Embora o voto seja obrigatório no Brasil, eles orientam os membros a votar nulo. E vão além: deixam claro que votar em branco é inaceitável, porque, segundo eles, ao fazer isso, o membro estaria indiretamente participando da política, o que é considerado pecado”.
O Metrópoles tentou, sem sucesso, pedir uma manifestação da direção das Testemunhas de Jeová sobre o assunto eleições. O espaço segue aberto.
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